3 de dez. de 2009

A loucura em Um Estranho no Ninho, Melhor é Impossível e O Iluminado

Por Gabriella Hauber


Falta de juízo, psicose, demência, insensatez. Loucura. As quatro primeiras palavras deste texto são algumas definições de “loucura”, mas existem várias outras. Afinal, definir o que seria uma pessoa louca, por exemplo, é complicado. Até porque há vários “tipos” de loucuras.

Um estranho no ninho, Melhor é impossível e O iluminado são três filmes que abordam esse tema, mas de maneiras distintas. Não só por serem de três diretores diferentes (Milos Forman, James L. Brooks e Stanley Kubrick, respectivamente), mas também por trabalharem com o que pode ser chamado de “tipos” de loucura diversos. Todos com o mesmo ator no papel do que poderia ser considerado o louco da história: Jack Nicholson.

A escolha de Jack Nicholson para o papel principal não á aleatória, os três filmes se sustentam muito na sua interpretação. Ele é um ator que sabe representar e incorporar o papel de louco com expressões fortes e marcantes, daquelas que ficam na cabeça do espectador mesmo depois que o filme acaba, como os closes no rosto de Jack, em O iluminado. Inclusive, neste filme, uma das cenas mais marcantes - quando Jack coloca a cabeça num buraco de uma porta quebrada e diz algo como “é só o Jack” - foi uma improvisação de Nicholson.


É impressionante como seus “acessos” de loucura são diferentes em cada filme, variando de acordo com o contexto. Foram merecidos os Oscar de melhor ator que recebeu por Melhor é impossível e Um estranho no ninho. Ora ele é o neurótico que nos faz rir, com seu Transtorno Obsessivo Compulsivo (Melhor é impossível), ora deixa o espectador apreensivo, ao incorporar o psicopata (O iluminado). Ou até mesmo aquele nos diverte fingindo-se de louco, “infiltrado” entre os pacientes de uma clínica psiquiátrica (Um estranho no ninho).

Há uma aproximação maior entre Um estranho no ninho e Melhor é impossível do que entre os dois e O iluminado. Talvez, o gênero influencie um pouco nisso. O primeiro um drama, com sequências cômicas; o segundo, uma comédia romântica; e o último um terror/suspense. Mas a diferença maior está na forma como a história é contada e o tipo de loucura abordado. Nos dois primeiros, os “loucos” da história rendem bons momentos de humor, como as tiradas sarcásticas de Melvin (Nicholson), que tem tudo para ser insuportável, em Melhor é impossível, e o simples fato de observamos a convivência de McMurphy (Nicholson) com os outros pacientes do sanatório, em Um estranho no ninho.

São dois filmes que exploram a linguagem clássica do cinema. Sem planos muito expressivos, a montagem é feita de tal forma que o desenrolar da história é mostrado da maneira mais simples e linear possível ao espectador, que não precisa fazer o mínimo esforço para acompanhar e entender o que acontece na tela. Tudo o que o espectador precisa saber está ali, enquadrado. Não há tanta exploração do fora de campo, nem algo que não é muito bem explicado. É um estilo bastante explorado pelos filmes de Hollywood, que faz com que o espectador embarque com facilidade nos conflitos dos personagens. Cria expectativas e mantém o espectador vidrado na tela do cinema, deixando-se levar pelos acontecimentos do filme, mesmo já sabendo como este terminará. São filmes nos quais os bons momentos, os pontos fortes se sustentam na interpretação dos atores – sobretudo de Jack Nicholson - e num roteiro bem feito, com diálogos que valem a pena assistir.

Isso acontece principalmente em Melhor é impossível. A história tem um começo, um conflito no meio, que se resolve no final já previsível desde o início. O filme é centrado nas loucuras de Melvin e se desenvolve nas consequências dessas loucuras na sua relação com as pessoas de convívio mais próximo: uma garçonete, que tem um filho asmático e um vizinho gay, que tem um cachorro que faz xixi no corredor do prédio.

A loucura, nesse caso, está nas obsessões e manias de Melvin. Ele não pisa nas linhas das calçadas, usa luvas para não encostar no que os outros já encostaram e come todos os dias - com talheres de plástico que ele mesmo leva - no mesmo horário, na mesma mesa, atendido pela mesma garçonete de um restaurante. Soltando grosserias gratuitas para as pessoas a sua volta. Sendo incapaz de fazer um elogio, Melvin tem tudo para ser odiado pelo espectador, mas acontece o contrário. As cenas que mostram as obsessões de Melvin são as mais divertidas, como a em que ele arruma uma mala separando tudo metodicamente ou a que mostra os CDs no seu carro, cada um destinado a determinado momento - por exemplo, “só para emergências”. Até as grosserias que solta acabam por deixá-lo mais simpático. Melhor é impossível é basicamente isso: um louco simpático, que vai ficando mais flexível com suas obsessões na medida em que descobre a relação com o outro - que pode ser uma garçonete, um vizinho gay ou um cachorro – e caminha para um final bonitinho e feliz, como previsto desde o início do filme.


Um estranho no ninho não é muito diferente disso. Tem começo, meio e fim explícitos e linearmente contados. Mas, diferente de Melhor é impossível, a loucura, aqui, é a doença mental que leva as pessoas ao sanatório e abre para uma discussão maior. Será que as pessoas que estão internadas são realmente loucas e precisariam estar ali? Esse é um dos questionamentos que o próprio personagem de Nicholson, McMurphy, faz e incita seus companheiros de clínica a se fazerem. O filme sugere o tempo todo que a clínica, ao invés de tratar a “loucura” dos seus pacientes, acaba por estimulá-la ainda mais, com seus horários nem um pouco flexíveis e metodologia de tratamento rigorosa – talvez, o obsessivo Melvin de Melhor é impossível se desse bem lá.
O humor do filme está presente nesses momentos em que McMurphy tenta mostrar aos outros pacientes que eles podem fazer coisas normais, como jogar basquete, sair para pescar, se divertir. Não só ficar parados, cultivando suas “loucuras”, esperando a enfermeira anunciar a hora do remédio, a hora de comer e a hora de dormir. Com isso, McMurphy conquista a confiança e a simpatia dos companheiros de clínica e também do espectador. E passamos a questionar, junto com McMurphy, se os pacientes são mesmo loucos ou se estão apenas limitados e presos pela rígida metodologia da clínica, que inclui tratamento de choque - o que mais perturba do que ajuda os pacientes.

As “quebras” do filme estão nas sequências em que McMurphy consegue driblar as regras e dar um pouco de liberdade aos pacientes, como quando saem para pescar ou fazem uma festa regada a álcool e mulheres. Nesses momentos que o filme sai do “silêncio” e ganha uma trilha musical forte. A música marca a transição da apatia dos pacientes para os – rápidos - momentos de diversão, nos quais estão livres de regras e podem se comportar como pessoas “normais”. Nesse sentido, o filme sugere, seja pelo enquadramento, diálogos ou interpretação dos atores, que os loucos na clínica são os médicos, não os pacientes. Um exemplo claro disso é a sequência em que vários médicos discutem se McMurphy está realmente louco ou se está fingindo. Cada um dá seu diagnóstico quase como robôs, com uma expressão séria e apática, que não condiz com o que falam e discutem. Tratam de McMurphy com uma seriedade e profundidade desnecessárias.

Aliás, assim como Melhor é impossível, Um estranho no ninho possui boas sequências de diálogos. Os dois filmes brincam com “as loucuras” de seus personagens também por frases irônicas, quando, por exemplo, McMurphy diz, enquanto todos os pacientes do sanatório se divertem e bebem, “estão todos ficando loucos”. Ou quando Melvin, depois de ouvir conselhos religiosos da faxineira do vizinho gay diz “venda loucura a outro, eu já tenho o suficiente”. Os diálogos deixam os dois filmes com um tom mais leve, mesmo que o filme não tenha essa característica o tempo inteiro, como acontece em Um estranho no ninho.




Num sentido oposto a esses dois últimos filmes citados, está O Iluminado. Nele, não há nada de leveza ou de humor, pelo contrário, o filme é todo sombrio e pesado. E montagem e direção não são tão simples como as outras duas. A história, os acontecimentos não estão tão claros na tela, há muita coisa que é apenas sugerida e outras cuja interpretação fica a cargo do espectador. Até mesmo pelo fato de o filme abordar o sobrenatural, como por exemplo, as premonições. Ao contrário também, o filme não se sustenta primordialmente nos diálogos e sim nas imagens, no silêncio e nas ações dos personagens. Não é a toa que algumas das cenas mais marcantes e expressivas do filme são as em que o menino anda de velotrol pelo hotel e o que ouvimos é apenas o barulho das rodas ora tocando no chão, ora nos tapetes.

Aqui, a loucura tomou conta aos poucos do personagem. Jack Nicholson é Jack, um pai de família que aceita um emprego de inverno em um hotel afastado. No hotel enorme, estão só ele, a mulher e o filho Danny, que é “o iluminado” e pode ver passado e futuro. E é a solidão e o passado sombrio do lugar – anos atrás um pai, que fazia o mesmo trabalho de Jack, matou toda a família no hotel – que contribuem para a transformação do Jack, pai de família, para Jack, o psicopata violento.

A solidão e o vazio do lugar são muito bem explorados pelo diretor Stanley Kubrick. Planos abertos, que mostram a grandiosidade dos cômodos do hotel e como os personagens se tornam pequenos diante deles são constantes no filme. A trilha sonora - seja o silêncio cortado pelas rodas do velotrol ou pelo datilografar de Jack na máquina de escrever, seja a música casada com as imagens - que dá o tom de mistério do filme. O espectador leva sustos a quase todo momento, mas são sustos causados muito mais pela atmosfera criada por Kubrick, do que pelo que realmente vemos na tela.

A atmosfera sombria e solitária do hotel leva Jack a uma perturbação mental que chega a tal ponto de ele querer matar a família. É uma loucura de um psicopata, Jack perde completamente o controle do que faz. Começa a ver e conversar naturalmente com pessoas que, aparentemente, já morreram, mas já estiveram no hotel. Passado, presente e futuro se misturam e confundem um pouco quem assiste ao filme. Kubrick esclarece muito pouco. O espectador chega ao final com algumas dúvidas, que podem ser esclarecidas pela sua própria interpretação dos fatos.
Em O iluminado, o ambiente leva o personagem de Nicholson à loucura. O contrário acontece em Melhor é impossível, no qual o ambiente e o convívio mais próximo com o outro amenizam a loucura obsessiva de Melvin. Já em Um estranho no ninho, Nicholson não é o louco e nem é possível identificar ao certo quem ali tem algum problema mental, se são os médicos ou os pacientes. Afinal, de médico e louco todo mundo tem um pouco.

Filmes citados:
Um estranho no ninho (One Flew Over the Cuckoo's Nest), Milos Forman (1975)
O Iluminado (The shinning), Staley Kubrick (1980)
Melhor é impossível (As good As It Gets), James L. Brooks (1997)

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